Newsletter - Maio 2024 Postado no dia: 19 abril, 2024

Desconsideração da Personalidade Jurídica: Uma reflexão sobre o tema

A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto jurídico que permite a responsabilização dos sócios, caso a empresa não possua patrimônio suficiente para pagar seus credores.

A aplicação do referido instituto, previsto no Código Civil, visa combater práticas fraudulentas que envolvem a separação entre o patrimônio da empresa e o dos seus sócios.

Neste artigo, exploraremos as estratégias práticas para evitar a desconsideração da personalidade jurídica, compreendendo desde a abertura de conta específica até a definição de regras claras de distribuição de lucros.

 

Entendendo a Desconsideração da Personalidade Jurídica

No contexto jurídico, a personalidade jurídica refere-se à autonomia patrimonial da empresa, que é distinta da dos seus sócios. Essa separação é fundamental para o funcionamento do sistema empresarial, pois permite que as empresas assumam obrigações e contraiam dívidas sem comprometer o patrimônio pessoal dos sócios.

No entanto, em algumas situações, essa separação pode ser utilizada de forma indevida para fraudar credores ou burlar a legislação. É nesse contexto que entra a desconsideração da personalidade jurídica.

 

Quando ocorre a Desconsideração da Personalidade Jurídica?

A desconsideração da personalidade jurídica ocorre quando há abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Em outras palavras, quando a empresa é utilizada de maneira fraudulenta para lesar terceiros ou quando há uma mistura indevida entre o patrimônio da empresa e o dos sócios.

De acordo com o artigo 50 do Código Civil, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica da empresa a pedido da parte interessada ou do Ministério Público, quando estiverem presentes os seguintes requisitos: (1º) abuso da personalidade jurídica, (2º) desvio de finalidade ou (3º) confusão patrimonial, é a chamada Teoria Maior. Isso significa que os efeitos de certas obrigações podem ser estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da empresa.

Na seara trabalhista, porém, tem-se aplicado a teoria menor, que utiliza como fundamento o Direito do Consumidor, que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica pela mera insolvência e inadimplência dos créditos trabalhistas pela pessoa jurídica, com o redirecionamento da execução para os sócios da empresa, nas pessoas físicas.

Portanto, é comum encontramos na fase de execução trabalhista, com decisão condenatória definitiva, quando frustradas a execução da empresa para pagamento do crédito do trabalhador, por meio dos convênios Bacenjud, Renajud e Infojud, a inclusão dos sócios após instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

 

Desvio de Finalidade e Confusão Patrimonial

O desvio de finalidade ocorre quando a empresa é utilizada de forma fraudulenta para prejudicar terceiros, como no caso de utilização de uma empresa para fins pessoais dos sócios, em vez de cumprir suas obrigações comerciais.

Já a confusão patrimonial ocorre quando não há separação efetiva entre o patrimônio da empresa e o dos sócios, levando a uma mistura de bens e recursos financeiros. Isso pode acontecer, por exemplo, quando os sócios utilizam contas bancárias pessoais para transações comerciais da empresa.

 

Procedimentos para Desconsideração da Personalidade Jurídica

O processo de desconsideração da personalidade jurídica geralmente começa com uma petição da parte interessada ou do Ministério Público, apresentando as provas do abuso da personalidade jurídica. Essas provas podem incluir documentos, testemunhos e outras evidências que demonstrem o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.

Após analisar as provas apresentadas, o juiz decidirá se há indícios suficientes para desconsiderar a personalidade jurídica da empresa.

Caso seja constatado o abuso, os efeitos de determinadas obrigações poderão ser estendidos aos bens dos sócios ou administradores da empresa.

Conforme mencionamos acima, nos processos trabalhistas esse procedimento é mitigado, com a aplicação do Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado a requerimento do autor ou por iniciativa do juiz, quando a empres não quitar a condenação e as tentativas de penhoras por meio dos convênios Bacenjud, Renajud e Infojud forem frustradas.

 

Desconsideração da Personalidade Jurídica na Prática

Para entender melhor como funciona a desconsideração da personalidade jurídica na prática, vamos analisar um caso hipotético:

Imagine que uma empresa devedora não possui patrimônio suficiente para quitar suas dívidas trabalhistas. No entanto, os sócios da empresa possuem bens em seus nomes pessoais. Nesse caso, os credores podem ingressar com o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, demonstrando que a execução da empresa não foi exitosa e indicando possível ocorrência de abuso da personalidade para fraudar os credores, haja vista que todos os bens encontrados estão em nome dos sócios e a empresa não possui nem patrimônio nem valores disponíveis para quitação dos débitos.

Se ficar comprovado que os sócios utilizaram a empresa de forma indevida para se beneficiar ou lesar terceiros, o juiz poderá determinar a desconsideração da personalidade jurídica e estender os efeitos da obrigação aos bens dos sócios. Lembramos que no âmbito da justiça do trabalho o simples inadimplemento pela empresa tem motivado o deferimento do incidente da desconsideração da personalidade jurídica e responsabilização dos sócios.

 

Evitando a Desconsideração da Personalidade Jurídica

Na jornada empreendedora, proteger a personalidade jurídica da empresa é fundamental para resguardar não apenas o negócio, mas também os bens pessoais dos sócios e diretores.

 

  1. Mantenha Contas Separadas:

Um passo simples, mas crucial, é abrir uma conta bancária exclusiva para a pessoa jurídica. Isso facilita a separação entre as finanças pessoais e empresariais, reduzindo o risco de confusão patrimonial. Além disso, permite um registro mais organizado das transações financeiras da empresa.

  1. Mantenha a Contabilidade em Dia:

Investir em uma contabilidade eficiente é essencial para garantir a transparência e a conformidade financeira da empresa. Manter registros precisos de receitas e despesas é fundamental para uma gestão financeira sólida e pode ser determinante em casos de eventual contestação da personalidade jurídica.

  1. Estabeleça Regras Claras de Remuneração:

Definir políticas claras de distribuição de lucros e pró-labore é uma maneira eficaz de evitar conflitos e garantir a correta remuneração dos sócios. É importante registrar todas as transferências de recursos, seja como lucros ou pró-labore, para garantir a transparência e conformidade com as normas fiscais.

  1. Considere a Constituição de uma Holding:

Para empreendedores que buscam uma proteção adicional, a constituição de uma holding pode ser uma estratégia interessante. Além de proporcionar uma estrutura mais robusta para os negócios, uma holding pode oferecer benefícios em termos de gestão patrimonial e sucessão empresarial.

  1. Planejamento Tributário Adequado:

Um planejamento tributário eficiente pode ajudar a reduzir a carga fiscal da empresa e minimizar o risco de questionamentos fiscais. No entanto, é importante ressaltar que o planejamento deve ser feito de acordo com a legislação vigente e evitar práticas consideradas fraudulentas.

 

Estou respondendo um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o que pode ser feito juridicamente em uma decisão desfavorável a empresa?

Primeiramente, recomendamos que você esteja assistido por um advogado, pois assim que for citado/notificado do incidente deverá apresentar sua contestação e requerer a produção de provas, se for o caso.

Por se tratar de uma decisão interlocutória e contar com autorização legal explícita (Art. 1.015, IV, do CPC/2015), da determinação que acata ou rejeita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica caberá recurso, no âmbito cível, caberá agravo de instrumento, já no âmbito trabalhista, caberá agravo de petição (Art. 855-A, §1º, inciso II da CLT)

Caso o incidente seja instaurado em instância recursal e seja decidido pelo relator, o recurso apropriado será o agravo interno ao colegiado ao qual o relator pertence (Art. 136 do CPC/2015 e Art. 855-A, §1º, inciso III da CLT).

Lembramos que por se tratar de uma decisão de mérito, estará protegida pela coisa julgada material, podendo ser questionada também por meio de uma eventual ação rescisória.

Em um cenário empresarial cada vez mais complexo, a proteção da personalidade jurídica é essencial para a segurança e o sucesso do negócio. Ao adotar medidas como a separação de contas, manutenção da contabilidade em dia e estabelecimento de regras claras de remuneração, os empreendedores podem mitigar os riscos de desconsideração da personalidade jurídica e garantir uma base sólida para o crescimento empresarial.

Lembre-se sempre de buscar orientação profissional especializada de um escritório de advocacia e manter-se atualizado sobre as melhores práticas de gestão empresarial e conformidade legal.

Com as estratégias certas, é possível proteger seu negócio e seu patrimônio, construindo um futuro sólido e promissor para sua empresa.


Artigos Relacionados